sábado, 19 de dezembro de 2009

Não sei se podemos ver futuro na borra do café, mas sei que podemos ver nosso passado refletido no liquido preto. O passado deve ser sempre bonito, mesmo que embelezado pelo alívio. O menino anda reproduzindo um lema, que não é seu, mas foi adquirido, “a vida é sofrimento”, é isso que lhe salva todos os dias. Isso lhe permite não ser amargo com as pessoas e agüentar o tranco.
Os homens são bípedes e isso significa que andam com duas pernas, além disso, alguns deles só conseguem pensar exercendo essa faculdade. Por isso o menino anda, pra pensar, pra sobreviver, ele anda porque se ficar parado ele esquece que a vida é sofrimento e pode acabar se matando por isso.
A rua é o motivo de existência por excelência. Lá o homem encontra os outros homens. As pessoas de verdade são aquelas que não conhecemos. Os pais, o irmão, os amigos, não são pessoas, não representam nada. Eles se destacam para se tornar “José”, “Pedro”, “Tostes” ou o que seja. Pessoas são os outros e os outros são o motivo das nossas vidas.
Sair de casa não é apenas ver os “outros” mas ser um deles, prazer encantador esse de ser anônimo.
Gosto dos personagens constantes da rua: aquele mesmo velho no bar, aquela mesma menina linda com a qual sempre trocamos olhares, aquele mesmo mendigo, enlouquecendo aos poucos.
Não sei se é possível ver o futuro de qualquer forma, mas sei que a cidade está refletida no café. Ele nos chuta para fora de casa e nos mostra que a vida é sofrimento, o café é um “outro”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom. A partir de hoje só tomo café na rua...

Flávio Morgado disse...

Belo texto, meu amigo!
Uma reflexão muito interessante!
Saudades!

F.M.