sexta-feira, 23 de outubro de 2009

medley

Edu precisava dançar, sentia internamente as perfeitas vibrações musicais que lhe causava estímulos da cabeça aos pés. Porém através de um movimento voluntário, travou seu esqueleto, prestes a entrar em colapso, devido à discriminação, provável, dos olhos alheios.
Dessa forma, para evitar qualquer constrangimento, seguiu seu caminho, de pés calados, sedentos por uma dança.
André Tostes

Enquanto isso (...)

Gabi trancou o quarto, colocou um CD que já tinha uma camada considerável de poeira e aumentou o volume.
Não estava feliz, nem triste. Mas seu corpo vibrava num compasso ritmado, exato.
Era ânsia de estar além, de cortar o ar, de materializar a poesia que estava dentro dela. Então dançou. Como nunca antes, Gabi dançou.
Parou de sopetão. Corou rápido, abriu um meio-sorriso amarelo...
“droga, esqueci a janela aberta”

“Se eu não puder dançar essa não é a minha revolução” - Emma  Goldman

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Escrito na pedra estava minha oração a mim

A vida que escarneci não escarneço mais. A morte que aguarda por mim, sadia e serena, continua a se desenvolver. A casca que era eu, hoje jáz no solo brotando em algo novo, ou fecundando a terra. Possa eu chorar, mas ver algo novo. Possa eu ver o Pôr-do-Sol, evento infinito em mim. E a sorte que doi ser mais uma vez um caminhante entre as trilhas de corações, seja sorte de viver entre corações. Meu turbulento despertar seja sereno amanhecer. Ontem é hoje e amanhã não é nada fora de mim. Hoje sou mais do que sempre serei, sem nunca imaginar que sou. A vida que sonhei não foi feita para ser sonhada, ser vivida. Acrescento nenhum perdão, porque o pecado, grilhão cruel, feriu meus pés jornadeiros. Negando as glórias, sou maior que todas as conquistas. Se no princípio era o verbo, ainda sou cego, e cego serei até chegar ao fim. Seja feita luz sobre minhas mãos, elas me dizem o que será feito de mim. Mas lembro bem, ainda, não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada. Tenho em mim o mundo, fora de mim um mundo. Ipso facto, et cetera.
Abomina a dança o cantor
fazer calar o ter e ser a dor
sentir o frio de viver
ser sem pensar em ver
sem ver o sentido de ter
abomina o calor a luz
o sentido do toque etéreo
diga que o ar puro conduz
a massa defraldada ao réu
sem subjugar o véu tapume
faça de mim um arco
no breu do tempo
para que suma
sem ter existido
abominado tudo

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

As viagens de José: o centro do mundo

Ele guarda nos olhos um pedaço de memória perfeita: na mesa, a cachaça e o baralho, e no vento as palavras que dançavam bêbadas relembrando como os amigos conversam. Amigos que quase só se vêem em lembranças como essas.
Ele desejava o centro do mundo, onde tudo acontecia. “O centro do mundo é o México”, dizia seu velho conhecido que ele tão saudosamente escolheu deixar para trás. Mas ele sabia que Antonio sempre esteve certo: “o centro do mundo é o México e um dia eu estarei lá”, repetia enquanto marcava à canivete a triste mesa do seu escritório.
Sentia que havia viajado ao mundo todo dentro de Minas, toda sabedoria espalhada por lá, mas vinha essa frase lhe assombrar o espírito, onde já se viu seu Zé? Saber onde fica o centro e nunca ter ido pra lá. Pra isso precisava de um barco, ele sabia que só assim essa viagem deveria ser feita, na sua idade qualquer estrada deve ser digna da morte, e só o mar é, esse implacável amigo que sempre foi o maior adversário do homem. “Antonio sabia conversar com o mar”, repetia consigo seu Zé, “será que eu aprendo?”