sábado, 29 de novembro de 2008

O poeta sempre foi um cara sério demais, eu o observo da minha janela, se arrastando pelas ruas não vira o rosto quando passa a mulher e só interrompe o constante e metódico andar para falar de literatura: “Eu não acredito em homens que não leram Thomas Mann e Shakespeare”, disse uma vez ao seu aluno, “eu não acredito que o senhor seja homem”, respondeu prontamente com um sorriso no rosto, o jovem que ganharia mais dinheiro e mulheres que o nobre homem à sua frente.
Mas o que é o dinheiro comparado à vaidade de um artigo publicado, de um livro premiado, da doce e respeitosa palavra saindo da boca dos interlocutores: “doutor”. O que são as mulheres perto das letras?
O poeta é o único homem sério do mundo, é necessário, no meio de tantos enganadores, tantos “troca tintas” que lançam livros que os outros lêem, “ah, é o fim dos tempos... Lê-se isso atualmente”. Nunca lerão seus estudos sobre Beckett? Nunca reconhecerão nele um Ruy Barbosa que seja?
“Eles não sabem o que fazem, a maioria nem possui graduação, ah que alívio respirar os ares de Paris, que alívio Senhor, que alívio!”

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Uma bobice qualquer

Se pedirem para que eu descreva minha própria fisionomia, não seria capaz de tal proeza. Seria capaz de descrever amigos, familiares e até o dono da padaria para um retrato falado, porém, me descrever, seria impossível. Diria no máximo, um nariz grande, marcas de espinhas na bochecha e um dente incisivo torto na arcada inferior, nada além disso.
Estou acostumado a chorar, rir, ficar vermelho de constrangimento, porém é raro me ver nessas situações, tomo susto quando me deparo entregue a tais sensações frente a um reflexo.
Minha mãe diz que sou bonito e eu sempre discordo, mas tem vezes, que me olho no espelho e penso: “É, realmente não sou de se jogar fora”.
Ahhh meus Deus, como eu sou bobo!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Quarta-Feira

Acordei tarde numa quarta-feira, passava das duas da tarde, fiz um esforço terrível para abrir os olhos, um esforço ainda maior para levantar.
Tomei meu café preguiçosamente e fui conferir o celular, constava nele mais de 15 ligações não atendidas do escritório, o telefone de casa não tocou porque eu tiro ele do gancho quando vou dormir (odeio ser acordado por telefone). Terminei o café e vesti uma roupa por cima do pijama mesmo e saí para uma caminhada.
Depois de andar quatro quarteirões encontrei uma praça com muitas árvores, sentei-me num banco que ficava em baixo de um jequitibá e mergulhei em meus pensamentos. Não sei quanto tempo fiquei distraído, mas num momento fui interrompido “-Com licença!”- disse-me uma senhora que se sentou ao meu lado, em resposta fiz um leve aceno com a cabeça e cheguei um pouco para o lado e voltei aos meus pensamentos. Em momento algum me preocupei como explicaria a falta no trabalho.
Depois de um longo período percebei que a senhora que havia sentado ao meu lado estava me olhando, provavelmente minha expressão facial transparecia preocupação, quando notou que olhei, disse:
-Tudo bem com você, rapaz?
-Tudo!
-Parece preocupado!
-Um pouco... Nada de mais!
-Pois saiba que Deus é capaz de resolver seus problemas - como não dei resposta ela prosseguiu - Você acredita em Deus? - Fiz que sim com a cabeça pra evitar maiores problemas, e ela seguiu em frente – Qual sua religião?
-Não tenho!
-Mas é importante! Deus é uma coisa importante em nossas vidas!
-É, eu sei! – respondi num tom emburrado.
-Esses seus problemas são falta de Deus na sua vida! Será que eu posso lhe fazer um convite?
Fiquei em silencio meditativo, depois olhei para ela e respondi:
-Não, não é falta de Deus na minha vida. É falta de mim mesmo!
Acho que minha resposta não a agradou, mal ouviu minhas palavras, levantou-se e foi embora. Não sei bem qual convite ela me faria, mas agradeço-a ter desistido, naquela quarta certamente eu recusaria.

sábado, 15 de novembro de 2008

Manhã

Eu tomo café. Bobagem por açúcar no café, mas ainda assim, a colherinha parece fazer parte da xícara, do banco, da mobília e do café. Mexo-o, esquecendo-me que não precisava, pois eu sabia, dentro de mim, que devia mexê-lo. Estou sozinho, atrasado e calmo, abro um jornal, ele me distrai enquanto mexo o café.
Antes de esfriar, tomo em uma golada e, sentindo falta de tirinhas no meu jornal, entro em um ônibus que me leva, além da ponte.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Janelinha

Sol a pino, parece meio-dia, até seria se não fosse o horário de verão. Trânsito infernal para uma segunda feira, caótico para um dia ensolarado. Todos no ônibus devem estar repetindo, mentalmente, o mantra do verão: “praia, praia, praia...”
No ônibus, um senhor distraído alimenta seu “caguete”. Sua dentadura é impulsionada pela língua até o exterior da boca, retornando à gengiva sucessivas vezes. Sinto gastura e desvio o olhar.
No assento posicionado a frente do senhor banguela, havia uma garotinha, com seus 7 anos, pele negra, cabelos trançados e divido ao meio. Ela encontra-se ajoelhada, olhando para o senhor. O rosto da menina ia se contorcendo a cada segundo, agonia e desespero dominaram o rosto da garotinha, que em seguida, abriu o berreiro. Não contive e ri.
Notei que a garotinha não possuía os incisivos, certamente havia perdido seus dentes de leite.
Sem notar, o trânsito havia dado uma trégua e meu ponto se aproximava. Levantei-me, tirei um pirulito do paletó, entreguei o doce à garotinha e fiz um cochicho próximo a seu ouvido:
“Escove os dentes, três vezes ao dia!” e pisquei para ela, apontando discretamente para o senhor, do assento traseiro. Assim, a garotinha enxugou as lágrimas, esboçou um sorriso satisfeito e sincero e disse um obrigado, recomendado pela mãe.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Seu Astolfo II

Seu Astolfo chegou em casa um tanto desolado, não tirou seu chapéu antes entrar (o que chamou atenção de Maria, a faxineira, já que ele sempre o tirava antes de cruzar o portal) e sentou-se direto na sua cadeira de balanço.
- O senhor tá sentindo alguma coisa, seu Astolfo?
-Hã?! Não, não...escuta...me traz um copo d’água, por gentileza!
-Tem certeza que tá tudo bem?
-Tenho sim, só estou um pouco cansado, a fila do banco estava enorme!- (De fato a fila do banco estava realmente grande e seu Astolfo já estava mais que acostumado a enfrentar fila)
-Mas eu já disse pro senhor que quando quiser eu vou ao banco...
-Não, minha filha! Não tem necessidade!
-Vou buscar seu copo d’água.
Quando Maria voltou seu Astolfo havia mergulhado de novo em seus pensamentos. Ela estendeu o copo pra ele, que não notou. -A água.
-Ah! Agradecido!
Maria saiu da sala com um olhar desconfiado. Passou varias vezes pelo corredor sempre olhando para o velhinho que continuava a se balançar na cadeira com o copo cheio e uma expressão no rosto que fazem as pessoas quando estão tentando lembrar de algo.
O que de fato o perturbava, foi um senhor, que também estava na fila do banco, ter sido muito rude com ele sem nenhum motivo aparente. O que incomodava mais ainda Seu Astolfo era uma estranha sensação de ter conhecido esse senhor, o que não era nada estranho já que eles realmente se conheciam.
Em tempos passados Seu Astolfo não era Seu, nem tão pouco Astolfo era considerado nome de velho, nessa época Seu Astolfo era o grande Ast o rapaz que trabalhava na farmácia e que a noite fazia serenatas com seu violão. Nessa mesma época, morava perto da casa dele uma jovem senhorita, Elena, muito bonita, na verdade tão bonita que seu nome não precisava dos adornos do agá como letra inicial.
Numa noite Ast vinha do trabalho, quando passou por ela - apesar de serem vizinhos, ele nunca a tinha visto - obviamente uma moça tão bela não ficaria desacompanhada, ela vinha conversando com um outro rapaz, Fortunato – essa foi a primeira vez que seu Astolfo encontrou o velhinho rude do banco ou pelo menos passou por ele, já que perto de tamanha beleza ele praticamente não existia. O problema maior foi que não foi só Ast que viu a bela Elena, ela também o viu, na verdade ela já o tinha notado muito antes só que ele, sempre apressado, ignorava os sorrisos que ela lhe dava, nessa noite ela foi correspondida.
Ast correu pra casa tomou um banho e procurou seus amigos e perguntou se algum deles a conhecia e se sabiam onde morava, espantou-se ao descobrir que morava apenas duas casas depois da sua. Para resumir Elena depois dessa noite evitou encontrar com Fortunato, enquanto cada vez mais ela via seu Astolfo.
A porta da rua abriu-se e entrou uma senhora que se dirigiu direto a seu Astolfo, que ainda encontrava-se perdido em seus pensamentos com a mesma expressão de quem tenta lembrar de alguma coisa muito importante e com um copo cheio de água na mão.
-Ast, passei pelo Fortunato agora pouco e ele veio queixar-se de você, disse que você foi extremamente grosseiro com ele no banco.
-Ora, Elena, faz muito tempo que eu não vejo o Fort. . .- ele interrompeu o que ia dizer bebeu água e começou a rir levemente.