Seu Astolfo chegou em casa um tanto desolado, não tirou seu chapéu antes entrar (o que chamou atenção de Maria, a faxineira, já que ele sempre o tirava antes de cruzar o portal) e sentou-se direto na sua cadeira de balanço.
- O senhor tá sentindo alguma coisa, seu Astolfo?
-Hã?! Não, não...escuta...me traz um copo d’água, por gentileza!
-Tem certeza que tá tudo bem?
-Tenho sim, só estou um pouco cansado, a fila do banco estava enorme!- (De fato a fila do banco estava realmente grande e seu Astolfo já estava mais que acostumado a enfrentar fila)
-Mas eu já disse pro senhor que quando quiser eu vou ao banco...
-Não, minha filha! Não tem necessidade!
-Vou buscar seu copo d’água.
Quando Maria voltou seu Astolfo havia mergulhado de novo em seus pensamentos. Ela estendeu o copo pra ele, que não notou. -A água.
-Ah! Agradecido!
Maria saiu da sala com um olhar desconfiado. Passou varias vezes pelo corredor sempre olhando para o velhinho que continuava a se balançar na cadeira com o copo cheio e uma expressão no rosto que fazem as pessoas quando estão tentando lembrar de algo.
O que de fato o perturbava, foi um senhor, que também estava na fila do banco, ter sido muito rude com ele sem nenhum motivo aparente. O que incomodava mais ainda Seu Astolfo era uma estranha sensação de ter conhecido esse senhor, o que não era nada estranho já que eles realmente se conheciam.
Em tempos passados Seu Astolfo não era Seu, nem tão pouco Astolfo era considerado nome de velho, nessa época Seu Astolfo era o grande Ast o rapaz que trabalhava na farmácia e que a noite fazia serenatas com seu violão. Nessa mesma época, morava perto da casa dele uma jovem senhorita, Elena, muito bonita, na verdade tão bonita que seu nome não precisava dos adornos do agá como letra inicial.
Numa noite Ast vinha do trabalho, quando passou por ela - apesar de serem vizinhos, ele nunca a tinha visto - obviamente uma moça tão bela não ficaria desacompanhada, ela vinha conversando com um outro rapaz, Fortunato – essa foi a primeira vez que seu Astolfo encontrou o velhinho rude do banco ou pelo menos passou por ele, já que perto de tamanha beleza ele praticamente não existia. O problema maior foi que não foi só Ast que viu a bela Elena, ela também o viu, na verdade ela já o tinha notado muito antes só que ele, sempre apressado, ignorava os sorrisos que ela lhe dava, nessa noite ela foi correspondida.
Ast correu pra casa tomou um banho e procurou seus amigos e perguntou se algum deles a conhecia e se sabiam onde morava, espantou-se ao descobrir que morava apenas duas casas depois da sua. Para resumir Elena depois dessa noite evitou encontrar com Fortunato, enquanto cada vez mais ela via seu Astolfo.
A porta da rua abriu-se e entrou uma senhora que se dirigiu direto a seu Astolfo, que ainda encontrava-se perdido em seus pensamentos com a mesma expressão de quem tenta lembrar de alguma coisa muito importante e com um copo cheio de água na mão.
-Ast, passei pelo Fortunato agora pouco e ele veio queixar-se de você, disse que você foi extremamente grosseiro com ele no banco.
-Ora, Elena, faz muito tempo que eu não vejo o Fort. . .- ele interrompeu o que ia dizer bebeu água e começou a rir levemente.